quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Escolha entre chorar de rir ou morrer de raiva


Nos últimos anos, um fenômeno tem se tornado muito comum na indústria cinematográfica, especialmente em Hollywood. Paralelo ao lançamento de cada blockbuster, pequenas empresas independentes fazem suas próprias versões trash do filme em questão, lançando diretamente nas locadoras o plágio daquilo que é exibido no cinema. Num exemplo clássico, podemos citar o auto-intitulado "mestre do terror" Ulli Lommel. Assim que superproduções como Dália Negra e Zodíaco foram lançadas nos cinemas norte-americanos, o "mestre" teve a pachorra de enganar um sem-número de incautos que visitaram as locadoras e encontraram os esperados filmes, ainda em cartaz, recém-lançados ali, na esquina de casa.

Porém, tal tipo de filme, singelamente apelidado de 'engana-trouxa', tem chamado a atenção do público, justamente pela tosqueira devido à falta de verbas no orçamento. Porque no final, não importa o gênero do filme, o resultado é sempre o mesmo: gargalhada atrás de gargalhada. E nesse quesito, S.W.A.T. 2 - Los Angeles em perigo, é hors-concours. A começar pelo título. Embora o nome original seja SWAT- Warhead One (ou SWAT - Ogiva Um, em tradução livre), o fato de acrescentar o "2" na versão abrasileirada foi uma jogada de mestre, já que o pessoal nas locadoras já foi pensando se tratar de uma continuação do primeiro, aquele que tinha Colin Farrel e Samuel L. Jackson. Mas ao botar o DVD pra rodar, que decepção! Ao invés do conhecido bonitão de Hollywood, encontravam o lutador de kickboxer e competidor de vale-tudo Olivier Gruner no papel de Luc Remy, um agente da SWAT que passou por uma experiência desastrosa, e agora tem que enfrentar seus traumas e recuperar uma ogiva nuclear prestes a explodir em L.A., além de derrotar o chefão terrorista Peng.

Falando assim, até que não parece tão ruim, mas espere pelos detalhes sórdidos. O primeiro item a destacar é a atuação, a mais apática possível, não apenas de um, mas de todos os atores! Exprimindo suas emoções à la Steve Segall, é como se eles estivessem constrangidos de estar ali, se prestando a aquilo. Outro destaque fica por conta dos (d)efeitos especiais. Garanto que quem assistir jamais esquecerá a cena da explosão do helicóptero. É daquelas cenas que a gente volta, vê de novo mais 2, 3 vezes e não acredita. Nem naquelas montagens dos anos 60 é possível ver alguma coisa tão tosca e bizarra. Até aquele seu sobrinho de seis anos de idade faria melhor, desenhando no laptop da Xuxa. Isso sem contar o incêndio simulado com luzes vermelho-alaranjadas jogadas na parede e uma chama azul de fogão no pé da tela, e as pistolas que não tem 'furos' nos canos!

Pra completar, a coreografia de luta é a pior que se pode imaginar: os vilões antecipam os movimentos e ficam esperando o mocinho bater, no melhor estilo "Os Trapalhões". E com aquele barulhinho clássico de soco, só ficam faltando os balõezinhos com Tum!, Pow!, Soc!. Numa das melhores cenas, Remy se depara com dois bandidos, um vestido todo em vermelho e o outro de branco. Após rendê-los, ao invés de apenas prender os dois, ele guarda a arma e parte pra porrada em cima da dupla. Ao começar a apanhar dos malfeitores, ele saca a pistola, rende os infelizes novamente, e adivinhe? Volta a guardar a arma e vai pra porrada de novo! E como se não bastasse, no final da cena, ao derrotar a dupla, um deles simplesmente desaparece, num erro de continuidade incompreensível. Isso sem contar, é claro, as montagens feitas a partir de trechos de filmagens alheias, como fazia o mestre Ed Wood. No final, eu estava chorando de rir, mas não sabia mais se por causa do filme em si, ou de pensar nas hordas de desavisados que devem tê-lo alugado pensando num filme sério. É com certeza o pior filme que já assisti na minha vida, e um dos mais engraçados também.

Enfim, daqui a alguns anos, com certeza SWAT2 figurará entre os clássicos do Trash plagiador, ao lado dos filmes de "Bollywood", a capital indiana especializada no gênero. Pra mim, já virou referência. Mas, antes disso, pense bem antes de alugar.

(P.S.: texto dedicado a Michel Calil, grande apreciador de tosqueiras como essas)

S.W.A.T. 2 - Los Angeles em perigo
(SWAT- Warhead One)
Gênero: Pseudo-Ação/Comédia/Trash
Direção: David Huey
Elenco: Olivier Gruner, Rebecca Ferratti, Gerald Okamura, Mel Novak

EUA - 100 min. - livre

Uma aula de cinema


O filme começa. Numa praça comum, senhoras de idade passeiam com seus cachorros, pessoas passam apressadas, o vendedor de jornais atende a mais um freguês, pessoas embarcam e desembarcam em uma estação de metrô, um jovem sai da estação, para em frente a um senhor mais velho, os dois se olham e o jovem dá um tapa nele. De repente, a ordem: Corta! As pessoas param, olham para o cara sentado em uma cadeira e começam a voltar para os lugares onde estavam no início da cena. Assim começa A Noite Americana, do - pra definir resumidamente em uma só palavra - genial François Truffaut.

Metalinguagem pura, o filme fala sobre as filmagens de um outro filme, o fictício "A chegada de Pâmela". Jacqueline Bisset encarna as personagens Julie/Pamela, sendo Julie Baker uma conhecida atriz que interpreta a jovem que viaja para conhecer os pais de seu noivo, e ao conhecer o futuro sogro, os dois se apaixonam. E o que isso tem de genial? Já no título (em inglês Day for Night e em francês La Nuit Américaine) fica evidenciada a artificialidade da história, já que esses são termos usados para designar o filtro especial que permite aos cineastas filmar cenas noturnas durante o dia. É o tipo de piada interna que nós, meros mortais que desconhecemos termos cinematográficos, não sabemos o porquê daquilo, mas quando entendemos o significado soltamos um sonoro ahhh tá...

Além disso, o filme é recheado de 'pegadinhas' que pegam desprevenidos os mais incautos. Uma delas é o fato de que o próprio Truffaut interpreta o diretor do filme, Ferrand. E não é só ele: Jean-François Stevenin, assistente de direção que trabalhou com ele em diversos outros filmes, também interpreta 'a si próprio', assim como outros colaboradores. Outra curiosidade é o fato de que parte das locações em que o filme foi rodado, em Nice, eram cenários abandonados de um outro filme, que o estúdio não mandou demolir simplesmente porque sairia mais caro.

E o que vemos é exatamente um raio-x do cinema, com cenas onde, por exemplo, é possível ver os trilhos por onde passeiam as câmeras pra fazer o travelling, armações de madeira segurando fundos falsos, mangueirinhas de sprinklers fazendo chuva falsa sobre as janelas, etc. Mas muito mais do que isso, o filme por detrás do filme revela um universo infinitamente mais amplo e interessante, com todas as mazelas que só um apaixonado por aquilo que faz pode aguentar. Problemas pessoais dos atores, como a atriz que bebe demais e esquece as falas, ou perder alguém importante da produção em plena filmagem, o estúdio pressionando para que tudo seja concluído o quanto antes, as verbas diminuídas que obrigam a apertar os cintos, problemas na adaptação do roteiro, tudo ao mesmo tempo, nu e cru - mas ainda mágico, como só o cinema consegue ser.

E sem querer, aos poucos o espectador descobre na tela uma aula de cinema, além de uma declaração de amor à sétima arte por parte do próprio Truffaut. Em uma das cenas, Severine (Valentina Cortese) tem que gravar uma cena importante, mas não consegue lembrar as falas. A cena é repetida várias vezes, e podemos acompanhá-la de diversos ângulos, mostrando as diversas perspectivas diferentes que um diretor pode escolher. Em outra, Ferrand liga para o maestro responsável pela composição da trilha sonora, que lhe mostra o trecho de uma canção. Enquanto ela é exibida, ele abre um pacote com diversos livros e os espalha pela mesa. Ilustrando as capas, e ao som da música romântica, mestres do cinema recebem a homenagem, como Luis Buñuel, Jean-Luc Godard, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, entre outros.

Por essas e outras, com tantas referências e detalhes a serem explorados, pra definir resumidamente em uma só palavra, basta dizer mais uma vez que Truffaut é genial.

A Noite Americana

(La Nuit Américaine)
Gênero: Drama/Comédia
Direção: François Truffaut
Elenco: François Truffaut, Jacqueline Bisset, Jean-Pierre Léaud, Valentina Cortese, Dani, Alexandra Stewart, Jean Champion, Jean-Pierre Aumont

França/Itália - 115 min. - livre

Para um momento Suntory...




Cult por excelência – talvez seja essa a melhor definição para Encontros e Desencontros. É o tipo de filme que fica encostado na prateleira da locadora pegando poeira, pois quem assistiu e gostou fez questão de comprar o seu, e quem assistiu e não gostou faz questão absoluta de impedir que outras pessoas o aluguem (mesmo que essas outras pessoas sejam desconhecidos à procura de qualquer porcaria para um sábado à tarde).

Dirigido por Sofia Coppola (sim, ela é filha do “hômi”, e prima de Nicolas Cage), traz a história de Bob Harris (interpretado por Bill Murray), um ator decadente que visita o Japão para estrelar uma campanha de uísque, e que acaba conhecendo a bela, linda, estonteante, indescritível Charlotte (ai, Scarlett Johansson!), esposa de um fotógrafo workaholic. Vivendo temporariamente no país, e sem falar uma palavra de japonês, os dois logo acabam partilhando uma amizade que aos poucos se transforma em amor platônico. Portanto, para aqueles que procuram por cenas de sexo ardente ou paixões torrenciais, esqueçam. Se for o caso, alugue o filme da Leila Lopes, porque em Encontros e Desencontros, até os diálogos são contidos e com poucas falas. Mas isso só destaca ainda mais as atuações, e reforça o registro da solidão de duas pessoas que em diversos níveis não entendem a cidade onde estão - e por sua vez não são entendidas por ela.

Ironicamente, essa falta de comunicação causa uma espécie de isolamento em plena Tóquio, com suas ruas abarrotadas de gente o tempo todo. Mesmo assim, as belíssimas locações, a fotografia impecável e a trilha sonora sublime ajudam o espectador a entrar no clima e querer realmente conhecer a cidade. Alguns detalhes chegam ainda a dar um certo tom cômico, todos em cenas de Bill Murray, como no trecho em que Bob Harris assiste a um antigo filme seu com dublagens em japonês, ou quando participa de um programa de TV.

E num caso raríssimo, embora o título original Lost in Translation seja mesmo o mais apropriado, tanto a versão brasileira Encontros e Desencontros como a portuguesa O amor é um lugar estranho não ficaram tão más assim. E por enquanto é isso, que só de escrever essas poucas linhas já me deu vontade de assistir de novo. Lá vou eu...

P.S.: O título do texto se refere ao slogan usado por Bob Harris, "For a Suntory moment...", do uísque Suntory.

Encontros e Desencontros
(Lost in Translation)
Gênero: Drama/Romance
Direção: Sofia Coppola
Elenco: Bill Murray, Scarlett Johansson, Anna Faris, Giovanni Ribisi

Japão - 103 min. - 12 anos